encostado
o gosto
amargo
do muro
de pedra
fincado
nas marcas
da pele
do homem
dobrado
estilhaço
correndo
nas veias
o tiro
velado
na dor
que não viram
na última
noite
[pausa pro trago]
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Ainda faço pauta [Ana C.]
o recolhimento
caipira sem assunto, como filósofo da linguagem cada vez mais muda ou emitindo apenas o óbvio: boa tarde, faça um cozido, o passarinho, meu jardim, onde sento para ler Rosemberg e penso na década de 80 que não é mais 70, quando andávamos mais aflitos mas também mais articulados, identidade ou impressão de identidade em projetos de grupo, e até havia a última mohicana pertencente a 60 que agregava e pensava a juventude e que devia lançar o alerta do sonho acabou, o sonho de 70, a juventude ainda tinha uma inteligência que produzia projetos, e em 80 a última mohicana não está nem aí, não vai ao circo, espera um filho e estuda os mais velhos, como se estivesse entrando na maioridade. À noite a teoria não se aguenta, Rosemberg dá lugar a Joyce, e entrementes sou uma dona-de-casa caprichosa, envelhecendo, que depois do serviço se senta na poltroninha para ler romances ingleses ou rever cartões-postais de uma viagem à Itália ou cartas que recebia periodicamente do Brasil e de vez em quando pensar em móveis caros e na liberação do discurso e da sua inteligência (wit) fluente como único ato de amor possível neste espaço.
a propósito de Glauber: O século do cinema
23.1.81
[é daqui que roubo versos...]
caipira sem assunto, como filósofo da linguagem cada vez mais muda ou emitindo apenas o óbvio: boa tarde, faça um cozido, o passarinho, meu jardim, onde sento para ler Rosemberg e penso na década de 80 que não é mais 70, quando andávamos mais aflitos mas também mais articulados, identidade ou impressão de identidade em projetos de grupo, e até havia a última mohicana pertencente a 60 que agregava e pensava a juventude e que devia lançar o alerta do sonho acabou, o sonho de 70, a juventude ainda tinha uma inteligência que produzia projetos, e em 80 a última mohicana não está nem aí, não vai ao circo, espera um filho e estuda os mais velhos, como se estivesse entrando na maioridade. À noite a teoria não se aguenta, Rosemberg dá lugar a Joyce, e entrementes sou uma dona-de-casa caprichosa, envelhecendo, que depois do serviço se senta na poltroninha para ler romances ingleses ou rever cartões-postais de uma viagem à Itália ou cartas que recebia periodicamente do Brasil e de vez em quando pensar em móveis caros e na liberação do discurso e da sua inteligência (wit) fluente como único ato de amor possível neste espaço.
a propósito de Glauber: O século do cinema
23.1.81
[é daqui que roubo versos...]
domingo, 15 de janeiro de 2012
escrevo
como quem já não encontra
o verso
como quem já não flutua
(sob os pés apenas chão)
e os talhos já não escrevem poemas
fazem marcas na parede do tempo
(...)
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
sexta 13
poema simples
enquanto o livro mudo sobre a mesa
guarda tua casa
e teu corpo nu sobre a cama
vela teu sangue
desconheço todas as palavras
num sono da alma
que já dura muitos anos
mas agora bato o cadeado
e escorro num filete sob a porta[poema simples, poesia é quase isso]
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
blue day
ficou
o dito pelo não dito
poema não-sentido
sem revisão ortográfica
poema não-sentido
sem revisão ortográfica
sobrou
um antidesejo
para a dor sem antídoto
um copo d’água
e a cotidiana paisagem
[in poesia é quase isso]
para a dor sem antídoto
um copo d’água
e a cotidiana paisagem
[in poesia é quase isso]
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
o trecho de hoje é um ponto
esqueci
por um minuto e meio o que seria para sempre naquele instante trágico
da tua voz rouca silenciando meus erros enquanto batia na mesma tecla
intermitente pensamento que não vê mais o impossível no sonho que
é este amor-encanto esqueço passo ponto encerro escrevo escrevo
escrevo neste um minuto e meio ainda assim te adorando tanto afogada
em poesia que deixastes um minuto e meio que não passa da vida que
gargalha fita nossa cara gargalhada alta vendo o paletó e a gravata
mascarando o carnaval avenida rio branco arpoador fim de tarde de
outono ponto onde o sol se põe escondendo esquecendo num sorriso que
já dura quanto tempo não repito procuro outro ponto não esqueço
reconheço o som dos raios do tropeço nas pedras pondo o ponto
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
defronte da Tabacaria
[...]
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
a vida é um empreendimento poético,
por ser a poemalização do seu próprio sentido...
[coisas que só um antigo caderno do curso de literatura pode trazer à tona, assim, dum canto de página, pra gente!]
[coisas que só um antigo caderno do curso de literatura pode trazer à tona, assim, dum canto de página, pra gente!]
domingo, 8 de janeiro de 2012
letras na chuva
coração dispara
lendo os códigos
que decifram
música dedilhando a alma
ar suspendendo a pele
ordeno aos pés que se virem
mas o peito volta-se
as mãos inclinam-se
e olhos mesmo fechados
comtemplam
enquanto chove aqui fora
molhando toda a calçada
[poema in 'poesia é quase isso']
dia do fotógrafo [o meu]
boa oportunidade para poetar
e falar desse teu jogo de luz e sombra
do momento silencioso
experimentado por trás das lentes
quando a câmera ainda não está em punho
voraz instante em que teu olhar
[que sinto]
antevê a fotografia
[e sinto muito pelo teu sentir que não tem cura.
só imagens anteriores
habitantes de nossas paredes
nesta casa circular
minha
e tua]
e falar desse teu jogo de luz e sombra
do momento silencioso
experimentado por trás das lentes
quando a câmera ainda não está em punho
voraz instante em que teu olhar
[que sinto]
antevê a fotografia
[e sinto muito pelo teu sentir que não tem cura.
só imagens anteriores
habitantes de nossas paredes
nesta casa circular
minha
e tua]
sábado, 7 de janeiro de 2012
o que me facina na leitura é o diálogo estabelecido entre dois leitores.
esmaecendo
leio letras esmaecendo
leio letras letais
leio as letras tóxicas
lidas no diário alheio
(eis o ledo engano).
leio em livre e lúgubre
lar sem laço
lido agora
leve e só
leio leio leio.
leio letras letais
leio as letras tóxicas
lidas no diário alheio
(eis o ledo engano).
leio em livre e lúgubre
lar sem laço
lido agora
leve e só
leio leio leio.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
pág. 21
o último perigo
não, não posso dividir
esse fim de tarde
esse ar quase saindo
do peito
no fundo
existe apenas um ponto
único e intransponível
não convém que se corra
o último perigo plausível
caminho lentamente sobre ele
recolho os fios
e amarro
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